Popularmente conhecido como “carne”, o tecido muscular esquelético constitui a maior parte da musculatura do corpo dos vertebrados, desde um peixe até o ser humano, e seu bom estado é fundamental para o funcionamento de um organismo.
Essa musculatura recobre o esqueleto e está presa aos ossos, por isso é chamada de esquelética. Além disso, o tecido que apresenta a contração voluntária, ou seja, depende da vontade do indivíduo.
No entanto, com o passar dos anos esse sistema pode sofrer alguns desgastes, ou então possuir alguma debilidade. Quando não está em seu total funcionamento, ocorre o aumento do risco de quedas, fraturas ósseas e até maior chances de mortalidade, especialmente falando em idosos.
Pensando em como diminuir esses riscos e em formas de diminuir o desgaste do tecido, o grupo de pesquisa do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, orientado pelo Professor Anselmo Sigari Moriscot, criou uma tecnologia que melhora o estado trófico do músculo esquelético, que sofreram, por exemplo, lesões, imobilizações prolongadas, uso de corticoides e até envelhecimento. Pode, também, ser usada para o implemento de massa ou função muscular.
“A pesquisa tem esse caráter de ciência básica que pode migrar para aplicação. Nesse sentido, estávamos buscando MicroRNAs que pudessem exercer uma regulação no músculo esquelético. Fizemos a pesquisa normalmente e depois de usar várias ferramentas de bioinformática, chegamos em um MicroRNA específico, que é o MicroRNA-29c. Por várias razões, muito técnicas, chegamos nesse MicroRNA como um potencial regulador da massa do músculo”, explica o professor.
A tecnologia consiste no uso de microRNAs para ter esse controle do tecido muscular esquelético. A invenção tem como objetivo, por meio da manipulação combinada da expressão de membros sintéticos da família do microRNA-29, introduzir a nova ferramenta terapêutica, que visa o aumento da massa muscular simultaneamente a ganho na geração de força.
O que é MicroRNA?
“O MicroRNA é uma novidade na área da biologia celular e molecular. É um campo que está rapidamente crescendo. Quando você pensa em um fármaco, a estratégia de montá-lo é ele ser específico para um determinado alvo. No caso de manipular os níveis do MicroRNA, é que ele tem vários alvos, então ele modula um programa de genes, não tendo um alvo só”.
Durante o processo de transcrição do DNA, os genes que encontram-se nele são transcritos em RNAs, que, posteriormente, são traduzidos em proteínas. Essas proteínas possuem muitas funções, sejam estruturais, enzimáticas, entre outras.
Estudos sobre o sequenciamento do genoma humano, observaram que apenas uma pequena quantidade é constituído pelos genes que geram o RNA codificante, ou seja, o RNA que será traduzido em proteína. Cerca de 98% têm uma função desconhecida, e então foram chamadas de DNA-lixo.
Somos apresentados, então, ao conceito de MicroRNAs, que são pequenas sequências de RNA que não são traduzidas em proteínas, mas que possuem funções codificantes. Em suma, são RNAs que regulam RNas. Eles correspondem somente à uma pequena parte de todo o DNA com funções ainda não conhecidas.
“O MicroRNA é basicamente um ácido nucleico pequeno, baseado em RNA. Logo é diferente do DNA. Ele é extremamente pequeno, com cerca de 23 nucleotídeos. Ele tem esse potencial regulador de genes que originam proteínas, consegue regular genes basicamente os inibindo, e silencia a expressão de algumas proteínas. A própria célula já produz isso naturalmente, então regula genes não apenas em nível de proteínas mas também em RNA. Ainda não existe um fármaco usando MicroRNA no mercado, mas há muita pesquisa em volta dele”, explica William José da Silva, o primeiro autor da pesquisa.
Bioinformática
A Bioinformática foi um passo fundamental para que os pesquisadores pudessem encontrar o MicroRNA-29c. O professor Anselmo destacou a participação do especialista dessa área, André Cruz, que foi o responsável pelo MicroRNA-29c ter se tornado uma molécula candidata para a proposta da pesquisa.
“A partir da pergunta qual MicroRNA potencialmente pode regular a massa muscular, iniciou-se o trabalho da bioinformática. Para encontrar um candidato com o potencial para a pesquisa”, explicou William.
Concluindo, a bioinformática busca respostas, moléculas para serem testadas e a partir de suas propriedades, identifica se elas serão ou não usadas em determinado contexto.
A pesquisa
“Esperamos que isso seja aplicado a pessoas que estão engajadas em atividades físicas não competitivas, como uma forma de suplemento. Ou então, explorar isso em doenças com a perda de massa muscular, por exemplo na caquexia, quando o paciente está com câncer, ou após uma fratura quando a pessoa tem a perna imobilizada e há a perda de massa muscular”, disse William.
A pesquisa começou há aproximadamente cinco anos, em 2014. O professor Anselmo e William falaram sobre a importância de toda a equipe, que tem cerca de nove pessoas, e sobre todo o apoio externo que também tiveram, tanto apoios internos, como o da professora Elen Miyabara, do ICB, quanto de apoios externos. “É algo realmente multidisciplinar envolvendo grupos de vários lugares, para conseguir se desenvolver um trabalho desses”, completou o Professor Anselmo.
Por Mariana Arrudas