Qual o impacto do bem-estar de suínos machos na cognição e emoção da prole?

Pesquisadores querem saber se experiências negativas ou positivas silenciam ou ativam genes que podem ser transmitidos aos filhotes

Pesquisadores querem identificar e mensurar as implicações que o sêmen de machos genitores com experiências negativas e positivas durante o processo de formação dos espermatozoides (espermatogênese) possam ter para silenciar ou ativar genes, os quais, por sua vez, podem transmitir informações para a prole – Foto: Mariana Bombo Perozzi Gameiro

Pesquisadores do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, em Pirassununga, querem entender as potenciais alterações que o bem-estar dos suínos machos genitores acarretaria nos espermatozoides e, consequentemente, nos leitões por eles produzidos.

De acordo com o coordenador dos estudos, o professor Adroaldo J. Zanella, a importância dos experimentos reside na identificação e mensuração das implicações que o sêmen de machos que sofreram experiências negativas e positivas durante o processo de formação dos espermatozoides (espermatogênese) possam ter para silenciar ou ativar genes, os quais, por sua vez, podem transmitir tais informações para a prole, alterando a trajetória de vida dos animais.

Os suínos têm habilidades cognitivas comparáveis aos cães domésticos e apresentam respostas emocionais muito comparáveis aos humanos. Eles se reconhecem no espelho, como chimpanzés e elefantes, e também antecipam decisões de outros suínos (reconhecem o que os animais sabem ou não sabem).

Os estudos estão sendo desenvolvidos pelos pesquisadores Thiago Bernardino de Almeida, em sua pesquisa de doutorado, e Leandro Sabei, em sua dissertação de mestrado, e contam com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Bem-estar animal

Os experimentos foram feitos com 27 suínos machos adultos não castrados, oferecendo três experiências distintas de bem-estar. Foto: Thiago Bernardino de Almeida

 pesquisa de Thiago Bernardino de Almeida teve duração de 10 semanas e foi realizada com 27 cachaços (machos suínos adultos não castrados).

Nove receberam o manejo tradicionalmente dedicado a esses animais quando mantidos para reprodução, ou seja, ficaram em celas onde somente podiam deitar e levantar.

Outros nove machos foram mantidos em baias onde se movimentavam e mantinham contato, através de cercas, com os outros animais.

Os últimos nove animais receberam o tratamento que implicava um melhor nível de bem-estar: além de alojados em baias, eles receberam feno para manipular, tiveram estímulo tátil diariamente através de escovação e também foram premiados com rápidos banhos de água.

Todos os animais tiveram o sêmen colhido para análises de suas características e qualidade, o que possibilitou comparações em função das diferentes condições de alojamento e de bem-estar dos progenitores.

Inseminação de fêmeas

Os suínos têm habilidades cognitivas comparáveis aos cães domésticos e apresentam respostas emocionais muito comparáveis aos humanos. Foto: Mariana Bombo Perozzi Gameiro

A partir daí, entrou em cena o mestrando Leandro Sabei. Em sua pesquisa,  ele misturou o sêmen de seis machos, para cada um dos grupos do experimento do Thiago Bernardino de Almeida,  totalizando 18 animais, e  obtendo assim três amostras de sêmen – uma de cada grupo.

Esse material foi inseminado em 14 fêmeas suínas que gestaram leitões de pais com diferentes experiências. São esses os leitões que nasceram no mês de setembro. Eles foram submetidos a uma vasta bateria de testes para que aspectos cognitivos e emocionais revelem a contribuição do bem-estar do macho nos aspectos de desenvolvimento da prole.

Os testes incluem comportamento social, memória, medo, ansiedade e emoções positivas, além da concentração de hormônios de estresse, como cortisol, na saliva dos leitões.

Nove animais ficaram em celas onde somente podiam deitar e levantar, tratamento habitual de suínos mantidos para reprodução. Foto: Thiago Bernardino de Almeida

Nove suínos receberam um tratamento diferenciado: feno para manipular, foram escovados e premiados com rápidos banhos de água. Foto: Thiago Bernardino de Almeida

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os dois experimentos avaliam a contribuição dos machos na trajetória das proles e, para isolar tal contribuição, as fêmeas foram mantidas em condições excelentes de bem-estar, de modo a demonstrar que foi o sêmen, de fato, que transmitiu as informações para o feto, como explica Zanella.

Marcadores epigenéticos

O pesquisador Leandro Sabei vai analisar os marcadores epigenéticos da prole na Universidade de Linköping, na Suécia, uma das parceiras do projeto. Foto: Mariana Bombo Perozzi Gameiro

Resultados preliminares destes trabalhos foram apresentados na reunião da Sociedade Internacional de Etologia Aplicada, em Bergen, na Noruega, no inicio de agosto. Trabalhos também foram aceitos para a reunião da Sociedade Brasileira de Etologia, que será realizada no próximo mês de novembro, em São Paulo.

Além do apoio da Fapesp, este projeto tem como parceira a Universidade de Linköping, na Suécia, com recursos do Conselho de Pesquisas daquele país. Na Suécia, o pesquisador Leandro Sabei vai estudar os marcadores epigenéticos na prole das 14 fêmeas.

O doutorando Thiago Bernardino de Almeida está na University of Maryland, nos Estados Unidos, com bolsa no exterior Fapesp (BEPE). Ele vai avaliar os RNAs do sêmen dos machos em um laboratório que é referência mundial em fatores que modulam a expressão gênica no sêmen de humanos e roedores, contribuindo para distúrbios cognitivos e emocionais.

Na trajetória científica do professor Zanella, outros estudos demonstraram como o bem-estar das fêmeas contribui para a prole. Em um projeto de doutorado desenvolvido na USP e na Universidade de Teramo (Itália) pela estudante Marisol Parada Sarmiento, foram demonstrados efeitos de doenças que causam dor nas fêmeas suínas gestantes sobre a percepção de dor dos leitões. Este projeto também recebe recursos da Fapesp.

Parceiros

Melhor nível de bem-estar: feno para manipular, estímulo tátil diário através de escovação e rápidos banhos de água. Foto: Mariana Bombo Perozzi Gameiro

Em todas essas pesquisas, a construção do trabalho experimental contou com parceiros importantes. A certificadora internacional de bem-estar animal Certified Humane doou recursos para a aquisição dos animais. A empresa brasileira de genética suína TOPGEN ofereceu acesso às suas instalações para alguns experimentos. Além disso, impressiona a grande participação, nesses experimentos, de estudantes de graduação em Medicina Veterinária e Zootecnia da USP e de outras instituições do Brasil. Eles desenvolvem estudos paralelos, como um que avalia a arquitetura do ninho das fêmeas suínas em relação à capacidade de manter a temperatura adequada para os leitões.

Segundo Zanella, esse arranjo é fruto de um enorme trabalho que busca oferecer para os animais o melhor sistema possível para que o bem-estar dos mesmos seja assegurado, visando a entender como os animais se comportam e interagem com um ambiente mais positivo.

Mais informações: e-mail adroaldo.zanella@usp.br

Informações do Jornal da USP.

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