Centro de Pesquisa quer entender o que faz o brasileiro feliz

Texto: Denis Pacheco
Arte: Thais H. Santos
Ilustrações: Caio Vinícius Bonifácio

“Nos últimos anos, a psicologia tem tido a tendência de se afastar dos desvios de comportamento e estudar o que é o comportamento ‘correto’”, revela o pesquisador Matheus Henrique Ferreira, um dos membros da equipe de um centro que se propõe a estudar não somente as patologias que deram notoriedade ao campo da psicologia, mas também os comportamentos opostos, aqueles que nos fazem feliz.

Criado em 2016, o Centro de Pesquisa Aplicada em Bem-Estar e Comportamento Humano (CPBEC), com sede no Instituto de Psicologia (IP) da USP, em São Paulo, tem como sua principal meta promover pesquisas sobre o bem-estar psicológico, abordando aspectos como emoções positivas, intervenções comportamentais e a base neural de processos sociais e afetivos.

Seus estudos são desenvolvidos no contexto interdisciplinar, unindo psicologia, neurociência e ciências da saúde, além de contar com a participação de áreas como ciências sociais e humanas aplicadas.

Para Claudio Possani, professor do Departamento de Matemática do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, em São Paulo, e responsável pela comunicação e difusão do conhecimento do CPBEC desde 2018, o grupo tem características que o diferenciam de outros Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids). Além de ser financiado pela Fapesp, o centro também recebe o apoio de uma empresas privada, a Natura.

“Muitas vezes, uma empresa se aproxima de uma universidade e faz um contrato específico para que seja desenvolvida uma certa pesquisa de interesse daquela empresa”, conta Possani. “Não é isso que a Natura faz aqui. Ela não tem nenhuma encomenda e nenhuma demanda. Ela financia o que chamamos de pesquisa básica. Se (o trabalho) gerar algum conhecimento de interesse da Natura, ela vai poder se valer desse conhecimento”, pontua ele.

Coordenado pela professora Emma Otta, o grupo também trabalha em parceria com outras instituições de ensino como a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e a Universidade Presbiteriana Mackenzie. Os estudos conjuntos, esclarece Possani, podem resultar numa chamada “transferência de tecnologia”, ou seja, aplicação no mundo empresarial.

Desvendando as relações humanas

Com seus projetos chegando aos primeiros resultados, o centro ainda não originou nenhuma patente, mas já começou a gerar aplicações nos locais estudados. As pesquisas, que se iniciaram independentemente e foram agrupadas pelo guarda-chuva organizacional do CPBEC, incluem desde um estudo sobre o bem-estar em gêmeos, um programa que pretende criar ambiente positivo em escolas e até um levantamento que quer compreender e classificar os indicadores de bem-estar da população brasileira.

Com resultados a serem publicados no decorrer do ano, os pesquisadores pouco a pouco destrincham mistérios que cercam as relações humanas e entre homens e animais.

“Temos uma linha de pesquisa sobre a relação do ser humano com cães, desenvolvida em parceria com a Unifesp”, conta Possani. “Foi produzida uma cartilha com orientações para tutores de pets. São orientações e conselhos para que a relação entre ambos seja mais efetiva”, revela. Futuramente, o grupo quer expandir o escopo da cartilha e estudar outros animais domésticos.

Em outro estudo, que também originou uma cartilha, a ideia é esclarecer para professores, famílias de alunos e coordenadores pedagógicos de escolas sobre os benefícios da mindfulness, também conhecida como a atenção plena. O objetivo é “criar um ambiente escolar acolhedor e positivo que aumente o bem-estar das crianças dentro da escola”, explica o professor.

Os materiais serão disponibilizados em breve no site do centro, que também traz questionários de pesquisas em andamento.

Psicólogo formado e atualmente cursando o programa de pós-graduação do IP, Matheus contribui para o grupo pesquisando a influência dos estímulos olfatórios na identificação de expressões faciais. “Estudamos como esses estímulos podem alterar a forma como alguém identifica se uma pessoa está sorrindo ou triste. E como isso altera os estados de valência, que seriam agradável e desagradável, e os estados de ativação, que seria o estado emocional de alerta ou relaxamento”, esclarece.

Por meio de um questionário eletrônico elaborado para avaliar os estados descritos, o pesquisador conta com a participação de voluntários para completar suas análises. É possível participar deste e de outros projetos aqui.

A importância da pesquisa básica

Apesar de estarem cientes de que a pesquisa na área estudada pelo grupo, formado por cerca de 30 pessoas, ainda é incipiente, os cientistas alçam voos ainda maiores: um de seus objetivos é criar uma escala de bem-estar inteiramente brasileira.

De acordo com o professor Ricardo Prist, doutor em Patologia Experimental e Comparada pela USP, “cada povo tem as suas dimensões e as suas características. Não adianta importar uma avaliação de bem-estar da Suécia ou da Dinamarca, países que têm grande parte de seus problemas sociais resolvidos”, exemplifica, ao pontuar que, mesmo com seus inúmeros problemas sociais, o Brasil e os brasileiros são uma população reconhecidamente feliz. “Por quê? O que leva a isso?”, questiona.

Descobrir a resposta para essas questões é, para Possani, “ a importância da ciência básica”, que pode levar não somente à compreensão do nosso comportamento nacional e individual, mas também, graças às parcerias com universidades e a Natura, a aplicações que aumentem esse bem-estar.

Sobre a relevância de centros pioneiros como este, o professor Prist é categórico ao postular que “o manejo de qualquer situação só se faz a partir do conhecimento daquela situação. E precisamos saber como o sistema funciona para depois interferir”.

Mais informações: site https://cpbec.org.br

Fonte: Jornal USP

 

 

 

 

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