Programa nex0 discute a inovação no campo da Biomedicina.

O evento convidou especialistas para tratar de diversas temáticas da saúde

Entre os dias 28 e 31 de agosto, a Agência USP de Inovação levou à Arena Santander o nex_biomed. Esta foi a segunda edição do programa nex0, que se propõe a criar um espaço transdisciplinar de análise e discussão de problemáticas atuais. Debatendo tópicos latentes, novas soluções e iniciativas inovadoras na área da biomedicina, o evento reuniu especialistas, empreendedores, pesquisadores e alunos. As atividades do nex_biomed tiveram início com o tema Cybermedicina. No primeiro painel do dia, a questão principal a ser pensada era: as máquinas irão substituir os médicos nas salas cirúrgicas? Neste aspecto, os painelistas convidados afirmaram que, ao menos noestágio de desenvolvimento tecnológico em que estamos hoje, os robôs são instrumentos para o médico, e não atores propositivos. “A inteligência robótica virá para complementar a habilidade de um bom cirurgião. Com ela, um excelente cirurgião poderá ser ainda melhor, mas esses mecanismos não transformarão um mau profissional em bom”, defende Guilherme Rabello, gerente do InovaIncor.
César Biselli, coordenador de inovação do hospital Sírio Libanês, complementa: “A tecnologia que temos hoje proporciona um aumento das capacidades cognitivas e físicas para o profissional da saúde. Os robôs auxiliam os médicos; começa-se a formar uma equipe.” Foi apontada também a necessidade de considerar a aplicabilidade das inovações na medicina. “Inovar é ter o senso crítico para discernir se o que está sendo criado como solução tem aplicabilidade no mundo real do ponto de vista de custo e efetividade”, pondera Rabello.
O painel seguinte focou no desenvolvimento de sensores, algoritmos e tratamentos individualizados. Sérgio Masson, engenheiro biomédico da startup BioArchitects, trouxe para a discussão a importância das tecnologias para planejamento cirúrgico e simulação. “Há um impacto gigantesco em poder antecipar parte das complicações que poderiam surgir em um procedimento. Isso faz com que o médico vá para a cirurgia mais preparado”, comenta.
Já Sérgio Gama, da IBM Watson, evidenciou que o aumento da capacidade computacional e de armazenamento possibilitaram a democratização de tecnologias que existem há muito tempo. Além disso, é preciso coletar dados e interpretá-los de forma sensível, o que exige, além da tecnologia, o trabalho de profissionais como cientistas de dados. No entanto, a coleta de dados, mesmo que essencial para pesquisas na área da saúde, levanta a questão da ética de obtenção e uso desses dados. “A tecnologia sempre surge antes da ética e da legislação”, Gama diz.
O segundo dia do nex_biomed tratou da ligação entre alimentação, esporte e saúde. No que diz respeito à alimentação, Rodolfo Marinho, pós-doutorando do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, afirmou que, a despeito das dúvidas sobre o que comer e em qual quantidade, deve-se buscar um equilíbrio. “O que vemos cada vez mais é que, por comodismo, as pessoas consomem alimentos ricos em gorduras e carboidratos, o que leva a um ciclo vicioso”, diz. Questionado sobre as polêmicas envolvendo vários alimentos, Leandro Bergantim, da Fapesp, explicou: “É preciso perguntar não se um alimento é bom ou não, mas para o que ele é bom ou não. O ideal seria individualizar as dietas com base no genoma de cada um, mas hoje isso ainda está distante”. Falou-se também do papel do exercício físico como ferramenta para tratar condições ligadas ao cérebro e a descoberta de que ele pode auxiliar na diminuição de fatores inflamatórios. “Sempre existiu a procura por melhoras nas condições de vida com o exercício físico, mas na medida  em que as pesquisam comprovam seus benefícios, até mesmo a nível neural, a procura aumentam, assim como a recomendação médica”, detalha Bruno Cabrera, idealizador do site Emagreça sem Dieta.
Já no terceiro dia do evento, a temática em debate foi a renascença farmacológica. No painel inicial, Raul Maranhão, professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do laboratório de metabolismo de lípides do Incor, falou sobre o aspecto processual do desenvolvimento de novos fármacos e tratamentos, que ainda é lento e caro, principalmente no Brasil. “O investimento para atender à comercialização de um produto, somando-se ao esforço de marketing, pode chegar a bilhões de dólares”, conta. Ele também destacou que a indústria farmacológica nacional ainda é recente e, por isso, ainda não chegou na fase de investir massivamente em inovação. Já Marcos Valadares, fundador da Pluricel, pontuou que é essencial que o Brasil esteja envolvido no desenvolvimento de fármacos, mesmo que eles não sejam comercializados no país. “A melhor forma de aprender é fazendo de fato. Nós já temos o conhecimento na Universidade, agora precisamos levá-lo para a sociedade”.
No painel seguinte, a atenção foi voltada ao sistema imunológico e suas funções desconhecidas por muitos, como a ligação com o sistema nervoso. Para começar sua fala, o painelista Helder Nakaya, especialista em bioinformática, questionou: “Você já agradeceu o seus sistema imune hoje?” Nakaya explica que o sistema é completamente dinâmico, e está cada vez mais em evidência pelo avanço tecnológico, que possibilita a análise e, por consequência, maior entendimento do papel que desempenha. Jean Pierre Peron, chefe do departamento de Imunologia da USP, complementa: “Os novos conhecimentos vieram quando aceitamos que o sistema imunológico é funcional o tempo todo, não só quando a pessoa está doente. Ele nem sempre interage de forma bélica; faz parte também de interações de equilíbrio”.
Para finalizar a segunda edição do nex0, o quarto dia trouxe o tema genômica estendida, abordando dois assuntos muito em alta no meio da biomedicina: epigenética e CRISPR. A epigenética é um termo que se refere a características em organismos que são passadas de geração em geração, mas que não envolvem mudanças na sequência da DNA. Elas poderiam ser causadas por mudanças no meio ambiente, por exemplo. Assim, Mariana
Veras, pesquisadora da FMUSP, questiona: “Alteraçõescausadas por um ambiente contaminado são adaptações ou não? Estamos burlando os processos de seleção natural com a medicina? Não seria melhor cuidarmos do meio ambiente para evitar tudo isso?” Por outro lado, Marcos Buckeridge, professor do Instituto de Biologia da USP, evidencia o papel da epigenética nos seres humanos: “Nós não somos apenas o resultado de nosso genoma. Se sim, seríamos muito parecidos. É como se houvesse um papel preto e fôssemos desenhados com a borracha. Nós somos o resultado de usar a borracha, que é a epigenética, as interferências feitas no DNA diretamente”.
O último painel levantou a polêmica envolvendo o CRISPR, ferramenta de edição de genomas. De acordo com Lygia de Veiga Pereira, chefe do Laboratório Nacional de Células- Tronco Embrionárias, ele é um instrumento poderoso para responder perguntas científicas, além de permitir que cientistas atuem em mutações que podem causar riscos a embriões. “O CRISPR não é capaz de gerar um cromossomo inteiro – ainda”, ela afirma, respondendo às questões éticas que são trazidas à tona pela possibilidade de edição de genes que a ferramenta oferece. Ricardo di Lazzaro Filho, fundador do Grupo Genera, vai além: “A sociedade tende a ter muito medo de tecnologias aplicadas à saúde. É verdade que toda tecnologia pode gerar problemas, mas temos que focar em como elas podem trazer também soluções”.