Ciência empreendedora que transforma

Está emergindo no Brasil uma comunidade de cientistas que desenvolvem inovações de base científica e querem fazer negócios. O novo Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação veio ajudá-los a se aproximar do mercado

O cientista francês Louis Pasteur (1822-1895) derrubou vários mitos. Alguns deles no próprio campo da ciência, como quando acabou com a longeva e renitente doutrina da geração espontânea dos organismos vivos. Um mito de outra índole que sua trajetória desmascara é o do distanciamento intrínseco entre ciência e inovação. Pois, entre outros feitos, Pasteur avançou notavelmente a fronteira do conhecimento em microbiologia então existente e, ao mesmo tempo, melhorou substancialmente a qualidade de vida dos seres humanos pelo processo de pasteurização. Como sabemos, este possibilita que produtos como o leite possam ser transportados e armazenados por um tempo expressivo sem se deteriorar. De transmissor de doenças graves, como a tuberculose, o leite passou a ser um alimento seguro.

Essa convergência transformadora entre ciência e inovação também tem uma ilustração brasileira, e recente, igualmente no campo do leite e seus derivados. Num esforço conjunto, cientistas de três universidades federais (de Minas Gerais, de Viçosa e de Lavras) e do então Centro Tecnológico de Minas Gerais descobriram que as baixas temperaturas matavam o fermento natural presente no pão de queijo. Então, desenvolveram uma variante criogênica do fermento e uma nova receita combinando o polvilho doce e o azedo. Dessa forma, foi possível o surgimento de mais de 400 empresas e 8 mil pontos de vendas só no Brasil. Gerou-se ainda um mercado externo, que se expandiu nos Estados Unidos, Argentina, Canadá, França, Espanha a um ritmo de 100% ao ano nos primeiros anos.

Hoje o valor da conexão virtuosa entre a ciência e a inovação é bem mais reconhecido mundialmente do que nos tempos de Pasteur. Inclusive em nosso País, muito embora aqui a percepção dessa potencialidade para além de círculos limitados remonte a não mais do que duas décadas. O fato é que, nestes tempos em que o termo “inovação” é usado quase como um mantra, o desafio de articular o avanço do conhecimento e sua consubstanciação em bens, serviços e outras formas que beneficiam interesses humanos continua a ser imenso, em todo o planeta.

A discussão preponderante é sobre como fazer acontecer a conexão entre ciência e inovação, e ela acaba, na maior parte das vezes, recaindo na histórica polêmica da insuficiente interação entre as instituições acadêmicas e de pesquisa, em particular as universidades, e o meio empresarial. Em ecossistemas inexistentes ou imaturos esgrimam-se argumentos acusatórios sobre quem tem responsabilidade pelo fracasso desse diálogo cooperativo. Dirigentes de empresas denunciam as universidades, vistas como ideologizadas e descomprometidas, enquanto pesquisadores das universidades acusam as empresas, apontadas como gananciosas e míopes. Apenas em um aspecto há convergência de opinião, o de que a “mãe de todas as culpas” é do governo…

Em ecossistemas mais maduros, pelo contrário, busca-se entender as causas profundas das dificuldades desse relacionamento, que não é trivial. Por exemplo, o de que parcela expressiva dos problemas ocorre não devido à diferença das missões da universidade e da empresa, mas pela grave dissonância entre as práticas do direito aplicadas em nosso meio às universidades que produzem ciência (quase todas são entes governamentais) e às empresas que precisam de ciência para inovar (quase todas são entes com interesse econômico). Nesses ecossistemas, buscam-se também formas novas de superar as barreiras decorrentes das naturais diferenças culturais existentes entre esses “mundos”, com o apoio do governo e o envolvimento da sociedade civil.

A tentativa de convivência das partes nos ecossistemas mais maduros inclui até mobilizações conjuntas que muitas vezes levam a uma inovação institucional essencial. O ecossistema no Brasil pode ser descrito como imaturo em geral, mas também tem uma porção mais madura, e foi aí que recentemente se fez uma inovação institucional: o novo Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação.

Assim como o pão de queijo, o Brasil possui diversos casos de contribuições da ciência para o desenvolvimento de mercados, da produção de etanol a partir da cana-de-açúcar ao desenvolvimento do Vonau, medicamento para controle de náuseas e vômitos. Da mesma forma, há diversas empresas de grande porte que criaram uma tradição de relacionamento com universidades brasileiras para produzir inovação, tais como Embraer, Petrobras, Vale, Braskem, Weg e Natura.

Agora, com as facilidades proporcionadas pelo novo Marco Legal e a expectativa onipresente da inovação no mundo, a tendência é que universidades, centros de pesquisa e empresas se aproximem muito mais. Como gosta de dizer Steve Wozniak, cofundador da Apple, sempre que uma inovação é mais fácil de usar e mais barata que sua alternativa, ela prevalece, mesmo que haja resistências. Nossa intuição é que essa lógica prevalecerá também para a inovação institucional do novo Marco Legal – afinal, inovar com cientistas e pesquisadores ficou mais fácil e mais barato do que inovar sem eles.

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